A CADERNETA VERMELHA
09/08/19 A CADERNETA VERMELHA O carteiro estendeu o telegrama. José não agradeceu e enquanto abria o envelope, uma profunda ruga apareceu-lhe na testa. Uma expressão mais de surpresa do que de dor tomou-lhe conta do […]
há 5 anos atrás
09/08/19
A CADERNETA VERMELHA
O carteiro estendeu o telegrama. José não agradeceu e enquanto abria o envelope, uma profunda ruga apareceu-lhe na testa. Uma expressão mais de surpresa do que de dor tomou-lhe conta do rosto. Palavras breves e incisas:
– Seu pai faleceu. Enterro 18horas. Mamãe.
José continuou parado, olhando para o vazio. Nenhuma lágrima lhe veio aos olhos nenhum aperto no coração. Nada! Era como se houvesse morrido um estranho. Por que nada sentia pela morte do velho? Com pensamentos que lhe confundia, avisou a esposa, tomou o ônibus e se foi. No íntimo, não queria ir ao funeral e, se estava indo, era apenas para que a mãe não ficasse mais amargurada, ela sabia que pai e filho não se davam bem. A coisa havia chegado ao final no dia em que, depois de mais uma chuva de acusações, José havia feito as malas e partido prometendo nunca mais botar os pés naquela casa. Refez sua vida na medida do possível… O velório: poucas pessoas. A mãe está lá, pálida, gelada, chorosa. Quando reviu o filho, as lágrimas correram silenciosas, foi um abraço de desesperado silêncio. Depois, ele viu o corpo sereno envolto por um lençol de rosas vermelhas – como as que o pai gostava de cultivar. José não verteu uma única lágrima, o coração não pedia. Era como estar diante de um desconhecido um estranho.
Ele ficou em casa com a mãe até a noite, beijou-a e prometeu que voltaria trazendo os netos e esposa para conhecê-la. Agora, ele poderia voltar a casa, porque aquele que não o amava não estava mais lá para dar-lhe conselhos ácidos nem para criticá-lo. Na hora da despedida, a mãe colocou-lhe algo pequeno e retangular na mão…
– Há mais tempo você poderia ter recebido isto – disse. Mas, infelizmente só depois que ele se foi eu encontrei entre os guardados mais importantes… Foi um gesto mecânico que, minutos depois de começar a viagem, colocou a não no bolso e sentiu o presente, uma caderneta de capa vermelha. Abriu-a, curioso. Páginas amareladas. Na primeira, no alto, reconheceu a caligrafia firme do pai:
“Nasceu hoje o José. Quase quatro quilos! O meu primeiro filho, um garotão! Estou orgulhoso de ser o pai daquele que será a minha continuação na Terra!”.
“Hoje, meu filho foi para escola. Está um homenzinho! Quando eu o vi de uniforme, fiquei emocionado e desejei-lhe um futuro cheio de sabedoria. A vida dele será diferente da minha, que não pude estudar por ter sido obrigado a ajudar meu pai. Mas para meu filho desejo o melhor. Não permitirei que a vida o castigue”.
Outra página – “José me pediu uma bicicleta, meu salário não dá, mas ele merece porque é estudioso e esforçado. Fiz um empréstimo que espero pagar com horas extras”. “É duro para um pai castigar um filho e bem sei que ele poderá me odiar por isso; entretanto, devo educá-lo para seu próprio bem. Foi assim que aprendi a ser um homem honrado e esse é o único modo que sei de ensiná-lo”.
José fechou os olhos e viu toda a cena quando por causa de uma bebedeira,os amigos tinham ido para a cadeia e naquela noite, se o pai não tivesse aparecido para impedi-lo de ir ao baile. Lembrava-se apenas do automóvel retorcido e manchado de sangue que tinha batido contra uma árvore… Parecia ouvir sinos, o choro da cidade inteira enquanto quatro caixões seguiam para o cemitério.
As páginas se sucediam com ora curtas, ora longas anotações, cheias das respostas que revelam o quanto, em silêncio e amargura, o pai o havia amado. O “velho” escrevia de madrugada. Momento da solidão, em um grito de silêncio, porque era desse jeito que ele era, ninguém o havia ensinado a chorar e a dividir suas dores, o mundo esperava que fosse durão para que não o julgassem nem fraco e nem covarde. E, no entanto, agora José estava tendo a prova que, debaixo daquela fachada de fortaleza havia um coração tão terno e cheio de amor. A ultima pagina.
Aquela do dia em que ele havia partido:
– “Deus, o que fiz de errado para meu filho me odiar tanto? Por que sou considerado culpado, se nada fiz, senão tentar transformá-lo em um homem de bem? Meu Deus, não permita que esta injustiça me atormente para sempre. Que um dia ele possa me compreender e perdoar por eu não ter sabido ser o pai que ele merecia ter”.
Depois, não havia mais anotações e as folhas em branco davam a idéia de que o pai tinha morrido naquele momento, José fechou depressa a caderneta, o peito doía. O coração parecia haver crescido tanto que lutava para escapar pela boca. Nem viu o ônibus entrar na rodoviária, levantou aflito e saiu quase correndo porque precisava de ar puro para respirar.
O dia amanhecia.”
Honre seu pai para que os dias de sua velhice sejam tranqüilos!” – certa vez ele tinha ouvido essa frase e jamais havia refletido na profundidade que ela continha, pois na sua cegueira de adolescente, jamais havia parado para pensar em verdades mais profundas. Devemos valorizar cada segundo de nossa existência, pois Jesus nos colocou nas mãos de quem somente Ele confia para criar Suas jóias raras e preciosas…Somos valiosos para Deus…
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